quarta-feira, 25 de junho de 2008

Sol de Inverno


Os joelhos gelam ao vento alto das ervas.
Caminho soprado, sôfrego, a boca rasa.
Nós agudos, montanha viva, acesa face.
Estrito o sol se apura a fio.
Pedras com sabor de terra nua.
O caminho arrefece já sob as sombras.
Sede de vento alto que se desfaz.
Límpido e frio, a nula fronte do ar me investe.

António Ramos Rosa em Nos Seus Olhos De Silêncio

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Reviver


Quando foi a última vez que vos beijaram as mãos? E, se beijaram, como é que sabem que foi bem feito? ( Mais, quando foi a última vez que alguém vos escreveu a dizer que vos beijava as mãos?) Eis o argumento do mundo da renúncia. Se sabemos mais de consumação, eles sabiam mais de desejo. Se sabemos mais de números, eles sabiam mais de desespero. Se sabemos mais de gabarolice, eles sabiam mais de lembrança. Eles tinham beijos nos pés, nós temos de chupar os dedos. Ainda preferem o nosso lado da equação? Pode ser que tenham razão. Então tentem uma formulação mais simples: se nós sabemos mais de sexo, eles sabiam mais de amor.

Julian Barnes em Reviver in A Mesa Limão

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Matar Saudades (II) - Das Sardinhas e do Eduardo


A questão naquela noite de sardinhada, em Alfama, é que eu já não queria sardinhas nenhumas e tinha de fingir. Não podia desaparecer de um momeno para o outro. Mas tinha sofrido o meu primeiro choque afectivo, aprendera à minha custa que as pessoas nunca estão definitivamente adquiridas, e o peixe abandonado gera os focos de infecção. Fechei os olhos para não te ver, apetecia-me que não tiveses nunca existido, mas continuei de mãos dadas contigo, para que todos acreditassem que tudo estava bem connosco. Mais tarde saberia que tinha sido melhor assim. E que as sardinhas sabiam melhor do que alguma vez pensara.



Eduardo Prado Coelho em Nacional e Transmissível