quarta-feira, 28 de maio de 2008

Matar Saudades - Do Bacalhau e do Eduardo


" O bacalhau ia e vinha por entre as conversas habituais. Para uns, a televisão, algum "fait-divers" dos telejornais, os concursos e as telenovelas ( mais as portuguesas do que as brasileiras). Insistiam em que o bacalhau estivesse pouco salgado, e pediam que na semana seguinte fosse assado com batatas a murro. Outros discutiam sobretudo futebol, numa rivalidade entre o Sporting e o Benfica, apenas atenuada pela embirração de não gostarem nem do F.C.Porto, nem sobretudo do Pinto da Costa e a sua lata tão inexcedível que até engoliu o apito. Às vezes falavam de política e comentavam o Sócrates depois de se terem metodicamente atirado ao Santana Lopes. Mas era raro, o futebol estava primeiro, rei de todos os desportos tal como o bacalhau era rei da gastronomia autenticamente portuguesa. "Então hoje temos bacalhauzada?" . E a pergunta, algo teórica, abria um espaço de convivialidade gastronómica"

Eduardo Prado Coelho em Nacional e Transmissível

sábado, 24 de maio de 2008

Micropaisagem


PUZZLE

I

O sono
cresce como
se
uma anestesia
ténuescura
se
propagasse
do cérebro
pela rede nervosa
friamente
até aos dedos
e o tacto
dos homens
esquecesse

Carlos de Oliveira "Micropaisagem"

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Posto de Gasolina


Poiso a mão vagarosa no capot dos car-

ros como se afagasse a crina dum cavalo.

Vêm mortos de sede.Julgo que se perderam

no deserto e o seu destino é apenas terem

pressa. Neste emprego, ouço o ruído da en-

grenagem, o suave movimento do mundo a

acelerar-se pouco a pouco. Quem sou eu, no

entanto, que balança tenho para pesar sem

erro a minha vida e os sonhos de quem

passa?
Carlos de Oliveira "Sobre o Lado Esquerdo"

sexta-feira, 16 de maio de 2008

A Máquina de Escrever


Massacrada e obsoleta, relíquia de uma época que rapidamente se esfuma na memória, o diabo da máquina nunca me desiludiu. Neste preciso momento em que evoco os nove mil e quatrocentos dias que já passámos juntos, ei-la aqui, diante de mim, tartamudeando a sua velha música, esta música que conheço de cor. Estamos no Connecticut para o fim-de-semana.

É Verão e a manhã que se vê da janela é quente e verde e bela. A máquina de escrever está na mesa da cozinha e as minhas mãos estã na náquina de escrever. Letra a letra, vi-a escrever estas palavras.


Paul Auster e Sam Messer em A História da Minha Máquina de Escrever

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Uma Boa Cerca Faz Bons Vizinhos


" No meu ponto de vista, o contrário da guerra não é amor, e o contrário da guerra não é compaixão, e o contrário das guerra não é generosidade ou irmandade ou perdão. Não, o contrário da guerra é a paz. As nações precisam de viver em paz. Se vier a ver o Estado de Israel e o Estado da Palestina a viverem lado a lado com vizinhos honestos, sem opressão, sem exploração, sem derramamento de sangue, sem terror, sem violência, ficarei satisfeito mesmo que não prevaleça o amor. E como diz o poeta Robert Frost : "Uma boa cerca faz bons vizinhos."

Uma das coisa que torna especialmente duro o conflito palestiniano-israelita ou árabe-israelita é que se desenrola entre duas vítimas. Duas vítimas do mesmo opressor. A Europa - que colonizou o munso árabe, o explorou, o humilhou, que pisou a sua cultura, o controlou e o usou como pátio de recreio imperialista - é a mesma Europa que discriminou os Judeus, os perseguiu, os acossou, e, finalmente, os assassinou em massa num crime genocida sem precedentes."


Amos Oz em Da Necessidade de Chegar a Um Compromisso e da Sua natureza