domingo, 28 de setembro de 2008

Paul Newman (1925-2008)


Lucas, 21, 28



Quando o último pássaro morrer
na última oliveira a ocidente
opõe o peito ao que acontecer
e levanta a cabeça dignamente

Despede-te da terra onde nascer
tu nascias enfim contìnuamente
repara no nascente e no poente
que muito em breve deixarás de ver

Não valem cinco pássaros apenas
dois asses e Deus não os reconhece
no meio das demais coisas terrenas?

Levanta-te. Coragem coração
O Espírito nas coisas comparece
Aproxima-se a libertação


Ruy Belo em Homem de Palavra(s)

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A Grajeia


A grajeia caíu
no próprio chão que havia.

Amarelo impossível,
de trémulas mãos
a grajeia saltou
e no chão rolou,
se arredondinhou.

Cara de santinha,
quase auréola tinha.
Santa que tira a febre,
não santa que a dá,
cara de lua cheia,
a grajeia ficou
onde esteve (está?)

Alexandre O'Neill em As horas já de números vestidas (1981)

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Mendigo Com Lugar Cativo


Com o tapa-misérias a escorrer-lhe dos ombros,
o morse da bengala apercutir o chão,
remorseando vai os passarões que somos.

A dedo, a medo, a desfazer o gesto,
na ranhura da caixa a moeda metemos.

Metida a moeda, o espantalho fala
do céu que, sem dúvida, merecemos.

Que pragas calarás quando não damos?

Alexandre O'Neill em As Horas Já De Números Vestidas (1981)

sábado, 6 de setembro de 2008

Fala!


Fala a sério e fala no gozo
fá-la p'la calada e fala claro
fala deveras saboroso
fala barato e fala caro

Fala ao ouvido fala ao coração
falinhas mansas ou palavrão

Fala à miúda mas fá-la bem
Fala ao teu pai mas ouve a tua mãe

Fala franciú fala béu-béu

Fala fininho e fala grosso
desentulha a garganta levanta o pescoço

Fala como se falar fosse andar
fala com elegância muita e devagar.

Alexandre O'Neill em Abandono Vigiado (1960)