quinta-feira, 24 de abril de 2008

A Guerra Colonial


... Aí, durante um ano, morremos não a morte da guerra, que nos despovoa de repente a cabeça num estrondo fulminante, e deixa em torno de si um deserto desarticulado de gemidos e uma confusão de pânico e de tiros, mas a lenta, aflita, torturante agonia da espera, a espera dos meses, a espera das minas na picada, a espera do paludismo, a espera do cada vez mais improvável regresso, com a família e os amigos no aeroporto ou no cais, a espera do correio, a espera do Jeep da PIDE que semanalmente passava a caminho dos informadores da fronteira, trazendo consigo três ou quatro prisioneiros que abriam a própria cova, se encolhiam lá dentro, fechavam os olhos com força, e amoleciam depois da bala como um soufflé se abate, de flor vermelha de sangue a crescer as pétalas na testa :
- O bilhete para Luanda- explicava tranquilamente o agente a guardar a pistola no sovaco.-Não se pode dar cúfia a estes cabrões.
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Passámos vinte e sete meses juntos nos cus de Judas, vinte e sete meses de angústia e morte nos cus de Judas, nas areias do Leste, nas picadas dos Quiocos e nos girassóis de Cassanje, comemos a mesma saudade, a mesma merda, o mesmo medo, e separámo-nos em cinco minutos, um aperto de mão, uma palmada nas costas, um vago abraço, e eis que as pessoas desaparecem, vergadas ao peso da bagagem, pela porta de armas, evaporadas no redemoinho civil da cidade.

António Lobo Antunes em Os Cus de Judas

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