sábado, 16 de fevereiro de 2008

Sobre a Treta


"Por muito que aja de forma estudada e consciente, o treteiro procura sempre passar algo de forma sub-reptícia e não controlada.
Há certamente no seu labor, tal como no do artesão negligente, uma espécie de laxismo que resiste ou evita a exigência de uma disciplina desinteressada e austera. O modo pertinente deste laxismo não pode ser assemelhado, como é óbvio, à simples falta de cuidado ou atenção ao detalhe...
...Mentir ou fazer bluff são ambos modos de distorção ou falácia. Ora, o conceito mais central á natureza específica da mentira é o de falsidade: o mentiroso é, essencialmente, alguém que divulga uma falsidade. Também fazer bluff implica uma intenção de comunicar algo falso. Contudo, ao contrário da mentira, o bluff é mais um caso de falsificação do que falsidade. È isto que o aproxima da treta. Porque o que caracteriza a essência da treta não é ser falsa, mas ser uma imitação, uma falsificação da verdade . Para compreender esta distinção temos que admitir que uma falsificação ou imitação não é necessáriamente inferior ao original, salvo no facto de não ser autêntica. O que não é genuíno não é obrigatoriamente defeituoso. Pode bem ser, afinal de contas, uma cópia fiel. O que está errado numa falsificação não é aquilo que ela é, mas sim o modo como foi feita. Isto aponta para um aspecto semelhante e fundamental na natureza da treta: embora seja produzida sem uma preocupação pela verdade, não tem que ser necessariamente falsa. O treteiro imita a aparência das coisas. Mas isso não significa que as represente mal."

Harry G. Frankfurt em Da Treta

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